19/05/2016

A triste geração que ficou escrava da própria carreira

Um texto brutal de Ruth Manus, publicado na Revista Pazes, do qual fizemos uma pequena revisão para português-pt, que retrata de forma nua, crua e fiel a realidade da actual geração de profissionais bem sucedidos.

"E a juventude vai escoando entre os dedos. Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Tinha pena dos avós, que casaram cedo e nunca viajaram para a Europa. Tinha pena dos pais, que tiveram que dar o duro em empreguinhos ingratos e suar muitas camisas para pagar a renda, a escola e as viagens em família para pousadas no interior. Tinha pena de todos os que não falavam inglês fluentemente. Era uma vez uma geração que crescia quase bilíngue. Depois vinham noções de francês, italiano, espanhol, alemão, mandarim.

Frequentou as melhores escolas. Entrou nas melhores faculdades. Passou no processo seletivo dos melhores estágios. Foram efetivados. Ficaram orgulhosos, com razão. E veio pós especialização, mestrado, MBA. Os diplomas foram subindo pelas paredes. Era uma vez uma geração que aos 20 ganhava o que não precisava. Aos 25 ganhava o que os pais ganharam aos 45. Aos 30 ganhava o que os pais ganharam na vida toda. Aos 35 ganhava o que os pais nunca sonharam ganhar.

Ninguém os podia deter. A experiência crescia diariamente, a carreira era meteórica, a conta bancária estava cada dia mais bonita. O problema era que o auge estava cada vez mais longe. A meta estava cada vez mais distante. Algo como o burro que persegue a cenoura ou o cão que corre atrás do próprio rabo.

O problema era uma nebulosa na qual já não se podia distinguir o que era meta, o que era sonho, o que era gana, o que era ambição, o que era ganância, o que necessário e o que era vício. O dinheiro que estava na conta dava para muitas viagens. Dava para visitar aquele amigo querido que estava em Barcelona. Dava para realizar o sonho de conhecer a Tailândia. Dava para voar bem alto.

Mas, sabes como é, né? Prioridades. Acabavam sempre ficando ao invés de sempre ir. Essa geração tentava convencer-se de que podia comprar saúde em caixinhas. Chegava a acreditar que uma hora de corrida podia mesmo compensar todo o dano que fazia diariamente ao próprio corpo.

Uma estranha geração que tomava café para ficar acordada e comprimidos para dormir. Oscilavam entre o sim e o não. Você dá conta? Sim. Cumpre o prazo? Sim. Chega mais cedo? Sim. Sai mais tarde? Sim. Quer se destacar na equipa? Sim.

Mas para a vida, costumava ser não: Aos 20, eles não conseguiram estudar para as provas da faculdade porque o estágio exigia muito. Aos 25, eles não foram morar para onde queriam porque havia uma perspectiva muito boa de promoção na empresa. Aos 30, eles não foram no aniversário de um velho amigo porque ficaram até as 2 da manhã no escritório. Aos 35, eles não viram o filho andar pela primeira vez. Quando chegavam, ele já tinha ido dormir, quando saíam ele ainda não tinha acordado.

Às vezes, choravam no carro e, descuidadamente começavam a se perguntar se a vida dos pais e dos avós tinha sido mesmo tão má como parecia. Por um instante, chegavam a pensar que talvez uma casinha pequena, um carro pequeno dividido entre o casal e férias mais baratas pudessem fazer algum sentido.

Mas não havia mais tempo. Já eram escravos das mudanças automáticas, do vinho francês, dos resorts, das imagens, das expetativas da empresa, dos olhares curiosos dos "amigos".

Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Afinal tinha conhecimento, tinha poder, tinha os melhores cargos, tinha dinheiro. Só não tinha controlo do próprio tempo. Só não via que os dias estavam passando. Só não percebia que a juventude se estava escoando entre os dedos e que o bónus do final do ano não comprariam os anos de volta."

Ruth Manus